abril 28, 2004

CONTINUAÇÃO DA ALEGORIA, 2. «Corria o ano da graça de 1939. Numa noite argentina, num quarto em Buenos Aires, três escritores conspiravam no sentido de compilar o manual perfeito sobre o que NÃO escrever em literatura. Silvina Ocampo, Jorge Luis Borges e Adolfo Casares queriam, simplesmente, agradar aos leitores que vêem num livro, não um objecto de prazer, mas sim um objecto de crítica e censura. A lista produzida sistematiza tudo aquilo que qualquer obra que se pretenda literária terá de evitar.» Assim começa o texto de Alexandre Monteiro (no blog No Arame, a 19 de Abril, com o título «Para acabar de vez com a literatura»). Vale a pena lê-lo. Transcrevo os dez primeiros pontos: «1. As curiosidades psicológicas e paradoxos. Exemplo: assassínios causados por bondade ou suicídios devidos a contentamento; 2. As interpretações demasiado inconformistas de obras ou de personagens famosas. Exemplo: descrição da misoginia de Don Juan, etc; 3. Emparelhar personagens grosseiramente dissimilares ou contraditórias, como, por exemplo as duplas Don Quixote/Sancho Pança, Sherlock Holmes/Dr. Watson, etc; 4. Romances com personagens gémeas, idênticas, como em Bouvard e Pécuchet. Se o autor inventa um traço particular para uma, é forçado a inventar outro para a outra; 5. O costume de caracterizar a personagens através das suas peculariedades, como fez, por exemplo, Charles Dickens; 6. Qualquer coisa nova ou espantosa. Os leitores civilizados não se divertem com a descortesia de uma surpresa; 7. No decorrer da narrativa, recorrer a jogos extravagantes com o tempo ou com o espaço, como o fazem, por exemplo, Bioy Casares, Borges e Faulkner; 8. A descoberta de que, num romance, o verdadeiro herói é o mar, a pradaria, a selva, a chuva ou o mercado de capitais; 9. Poemas, situações ou personagens com as quais – Deus não o permita! - o leitor se possa identificar; 10. Frases que se possam tornar provérbios ou citações, já que são incompatíveis com uma obra coerente; [...]»