abril 17, 2004

LIVROS DA MINHA VIDA. O capítulo VI de Os Livros da Minha Vida, de Henry Miller (edição Antígona, tradução de Ana Bastos) leva o título «As Influências» (mas os melhores de todos são o primeiro, «Eles estavam vivos e falavam comigo», e o dedicado a Rider Haggard), e descubro nele uma tentação curiosa: a de fugir à influência. O tema é longamente comentado por Harold Bloom, que escreveu sobre a «angústia da influência». Miller enumera os seus autores (e os seus não-autores, como Poe, Jack London, Hugo, Kipling ou Conan Doyle) e sente-se essa angústia, mesmo quando diz que essa lista pode constituir a sua «árvore genealógica»; mas o seu problema é outro, e não está muito distante do que Bloom escreveu: ele quer é saber que livros leram os seus autores de preferência (de Rimbaud a Dostoievsky, por exemplo). Não há angústia literária semelhante: saber que influência estamos a sofrer quando estamos sob outra influência.
Mas há uma nota pessoal interessante que Miller deixa cair: a sua admiração por Knut Hamsun. Hamsun é um dos grandes escritores europeus (teve o Nobel e Pan e Mistérios foram publicados em Portugal pela Guimarães há muitos anos). De certo modo, pende sobre ele a mesma acusação que desvaloriza tremendamente a figura de Heidegger, uma ligação ao nazismo. Perdoando, mas não esquecendo; Hamsun reinventou o mito do homem numa Europa que estava a caminho do racionalismo e Pan é um livro a redescobrir. A sua dor mortal tem o tamanho dos fiordes, nas suas páginas sente-se essa ventania.
Outra nota é a forma como A Morte em Veneza («uma peça de papelão», inteiramente de acordo), de Mann, se desmoronou, não resistindo a uma segunda leitura. Por acaso, sempre achei A Morte em Veneza um conto cheio de exibicionismo.